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Uma cruzada contra a tortura dos gatos pretos

O celular de Katy Torczynnowski toca e o desespero na voz da interlocutora na linha é revelador: mais um gato preto está entre a vida e a morte. O felino fora encontrado na rua, em agonia, com múltiplas fraturas expostas no rosto, depois de ter sido covardemente linchado.

A delicada situação do animal demanda uma cirurgia para colocação de pinos e a reconstrução da mandíbula à base de resina, procedimento que não sairá por menos de 6 mil reais.

Katy é contatada assim que o gato passa pelos primeiros-socorros em uma clínica veterinária. Em meio a uma confraria de amantes de animais que se apoiam mutuamente pelo Facebook, ela tornou-se um porto seguro em São Paulo no auxílio a gatos vítimas de maus-tratos, em especial aqueles de pelagem preta.

É desse modo que, por meio de sua rede de contatos, Katy consegue uma médica “da causa animal” disposta a operar, sem custos, o gato deformado. Depois de uma recuperação longa, alimentando-se por sonda durante meses, o gato está recuperado.

Katy envolve-se com gatos em apuros desde os 9 anos de idade, quando topou, certo dia, com uma ninhada de filhotes abandonados em uma caixa de sapatos. Por instinto, levou-os para casa com a esperança de salvá-los. A mãe enfezou-se com a atitude da menina, embora tenha tentado acudir.

Mas a inocência as levou a aplicar creolina nas feridas dos gatinhos, o que só contribuiu para a morte das crias minutos depois. Nunca mais ela ficaria indiferente a gatos necessitados.

A protetora mora com o marido e o filho em uma casa simples na zona norte de São Paulo, onde mantém duas gatas “fixas”, além de um número variável de felinos “em trânsito” – os que aguardam adoção. Katy chegou a cuidar de 22 animais ao mesmo tempo.

Os gatos estão por toda parte. Ocupam, inclusive, a cama do casal, sem temor de ser enxotados. A área de serviço, com tela nas janelas, foi adaptada como gatil, com pequenos compartimentos acoplados na parede, acessíveis por escadas, nos quais os bichanos menos sociáveis podem se isolar. Quando a visitei, no fim de abril, eram seis os pretos, de 12 no total, que aguardavam por novos donos. Os animais ficam o tempo que for necessário, alguns esperam um lar há três anos.

Katy não se considera uma acumuladora de animais. Trabalha em horário comercial como analista de custos. Mesmo assim, administra como pode o pouco tempo e as altas despesas. Em troca de remédios e tratamentos, faz permutas. Aceitou abrigar em casa até um cachorro com cinomose a pedido de uma veterinária, que, por sua vez, socorrera os bichanos estropiados em vários momentos.

A maioria dos gatos pretos mantidos em sua casa foi vítima de violência. Amora é uma delas. Torturada com menos de 1 mês de idade, chegou às mãos de Katy por intermédio de um vizinho “com o pescoço retorcido como num AVC”. Foi diagnosticada com traumatismo neurológico e chegou a ser desacreditada pelos veterinários. Sobreviveu, mas ficou com déficit cognitivo.

Os olhos parecem mirar em todas as direções, sem foco. “Ela demora para entender as situações. Não tem medo de cachorro, por não perceber o perigo. E se desequilibra em lugares altos”, explica Katy. “Mas fica até mais charmosa assim, atrapalhadinha”, avalia, como uma mãe faria com seu bebê.

A ojeriza aos gatos pretos revela-se onde menos se espera. No ano passado, o pai de uma amiga de Katy não se conformou que a gata da família, de pelagem mista, tivesse parido uma ninhada com três filhotes totalmente negros.

Enxotou-os, mas eles voltaram. Enfurecido, os atacou: um dos filhotes acabou com fratura no nariz, infecção respiratória e corte na boca. Katy recolheu e cuidou dele e de um dos irmãos, mas o terceiro, assustado, fugiu.

Nas raras ocasiões em que aparece um potencial interessado em adotar um gato preto, ela ainda se dedica a avaliar o histórico do candidato. Faz uma entrevista para entender o desejo pelo animal. Em um caso recente, desconfiou de um homem disposto a adotar uma dupla de irmãos pretinhos. “Adoção de um é difícil, adoção conjunta, então, seria um sonho.”

Ao rastrear as redes sociais do interessado, viu, no entanto, entre outras pistas suspeitas, que ele participara de um evento cujo símbolo era um pentagrama invertido, próprio do satanismo. Sabe-se que gatos pretos são objeto de sacrifício em rituais satânicos. Eliminou da lista o candidato e alertou outros colegas protetores.

Enquanto Katy me contava essa história, Cacau, outra gata preta recolhida nas ruas, rosnava dependurada na porta da cozinha, na altura do trinco, como que implorando para sair. Quando a porta está só encostada, é capaz de abri-la. Naquele momento, estava trancada. Cacau não sabe, e embora, como todo gato, odeie ficar presa, a clausura é um ato de amor.

Fonte: Carta Capital

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